segunda-feira, 26 de julho de 2010

A esquizofrenia em mim

Eu estou saindo da vivência de sinais precursores de um surto.  Isto quer dizer que, novamente, a realidade foi sentida como persecutória, cruel, violenta, então, correspondi ao que vivia.  Se houve, ou não, fatos que detonaram minha visão paranóide, pouco importa (sim, houve).  Importante, para mim, é que tenho que me privar de atividades de que gosto, mas são estressantes; tenho que evitar pessoas; tenho que refazer relacionamentos, tenho que refazer laços, tenho que me refazer.  Para alguns, isso não deveria ser anunciado em um blog, isso é problema privado, no entanto, eu uso este blog como registro e acredito ser útil desenhar o caminho do eu louca para o eu esquizofrênica - quando entra o discurso médico alopata.

                ESQUIZOFRENIA: Histórico e conceito

Os loucos, até onde se sabe, sempre existimos.  A princípio, tolerados, depois, com a urbanização e o processo civilizatório em andamento, começamos a chamar a atenção e nos tornar denúncia do Logos.  Nós fomos rotulados de irracionais, portanto, não-humanos.  Na sociedade ocidental e branca, viramos empecilho e estorvo.  Na Europa, um navio foi abarrotado de loucos e degenerados de toda a espécie para que algum porto os aceitasse.  Nenhum aceitou.

Até o século XIX, para afastar os loucos dos olhos frágeis dos humanos, eram presos e acorrentados.  Nesse tipo de prisão, ajudavam a ganhar o próprio sustento, quando era aberta à visitação, com ingressos pagos.

A transformação, a passagem, da loucura para a doença mental teve um momento importante, quando a França, com sua Revolução Iluminista, começou a repensar a condição dos loucos (então chamados dementes), com as importantes figuras de Philippe Pinel (1745-1826) e do seu assistente Jean Baptiste Pussin (1746-1811), que fizeram sua pequena revolução no Bicêtre.  Quando as bases da repressão aos 'loucos furiosos' foram tornadas em auto-governo das paixões, era o Tratamento Moral que surgia.  Pinel, ficou famoso por ter eliminado o uso de correntes para a contenção.

A partir de então, o tipo de loucura a que pertenço foi sendo estudada com  o rigor sistematizador da nosologia psiquiátrica.

O próprio Pinel estudou casos que denominou de 'idiotia adquirida'.

Jean-Étienne-Dominique Esquirol (1772-1840), em 1838, se referiu a quadros demenciais que aconteciam antes dos 25 anos de idade.

Benédict Augustin Morel (1809-1873), entre 1851 e 1853, empregou, pela primeira vez, a expressão 'demência precoce' que descreveu através de um caso estudado, de um menino de 14 anos.  A descrição do quadro: "decadência cerebral da segunda década, desde o acesso agudo, sobrevindo com aparente benignidade até a fase final de dissolução psíquica, passando pela etapa intermediária de torpor e agitação".  Considerou a 'demência precoce' como afecção de natureza constitucional, que desembocava irremediavelmente na idiotia.

Emil Kraepelin (1856-1926), devemos a ele o conceito de 'dementia praecox', a que deu unidade e extensão particulares, ao agrupar quatro tipos clínicos principais: a 'catatonia' (descrita por Kahlbaum entre 1863 e 1874); a 'hebefrenia' (descrita por Hecker em 1871), 'simples'  e a 'paranóide'   Este último tipo clínico, limitou o vasto conceito de 'paranóia' a um sistema delirante restrito "durável e impossível de quebrar, que se instaura com conservação completa da clareza e a ordem no pensamento, na vontade e na ação".

Eugen Bleuler (1857-1939), em 1911, rebatizou a 'dementia praecox' de esquizofrenia (etimologicamente "mente fendida"), porque:"na esquizofrenia não há propriamente demência no sentido clássico, nem a aparição da moléstia é fatalmente precoce, como também não o é a sua evolução para a demência terminal".  Eu acredito que o ponto fundamental no reconhecimento de um esquizofrênico está "na dissociação entre as tendências instintivas e as atividades intelectuais", como Bleuler afirmou em 1930.

A partir de então, foram feitas as críticas necessárias e foram apurados as observações e conceitos.  Abriram-se dois caminhos:

1 - O que busca o substrato orgânico e hereditário para a esquizofrenia, que resultou, hoje, para nós outros, os pacientes, nos famosos medicamentos psicotrópicos (dá um remedinho que sara...).

2 - O que aceita a base desencadeante fisiógena que provoca reações da personalidade ao processo mórbido, deu margem `as teorias psicodinâmicas.

Com a crítica feita pela antipsiquiatria de que a sociedade gera tanto os esquizofrênicos quanto os psiquiatras, foi formado um tripé, em que se baseia a atual forma de intervenção no tratamento da esquizofrenia, o psicobiosocial.

Estas três formas de abordagem e tratamento têm seus especialistas e seus instrumentos de intervenção no curso da doença.  Se, antes, a doença era catastrófica, hoje já se pode falar em transtorno de que seríamos portadores.

Os mais jovens e/ou mais fortes conseguem se movimentar no mundo com certo, mas limitado, conforto.  Não é o meu caso.  Eu sou da geração que tem consciência de que não trabalha, que existe para dar trabalho.  Isso me incomoda e me impede de ter projetos e sonhos, sou vida em estado puro, sustentada pela sociedade.  Espero, algum dia, poder contribuir de alguma forma com ela.


Fontes:

Shirakawa, Itiro: O Ajustamento Social na Esquizofrenia, Ed. Lemos, 1992.

Postel, Jacques e Quétel, Claude: Historia de la Psiquiatria, Fondo de Cultura Económica, México, 1993

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